Se há uma coisa que sempre invejei dos europeus foi o hábito de fazer piqueniques. Sai um solzinho e lá estão os espaços públicos e gramados cobertos de toalha, gente, um pão, um vinho e alguma alegria. Em Porto Alegre também fiquei impressionada com o número de piqueniques no Parque da Redenção, cada grupo com sua cuia de chimarrão e a algazarra da criançada. No Rio de Janeiro, aniversários infantis comemorados com piqueniques no Jardim Botânico ou no Parque Lage são comuns e muito mais atrativos às crianças que aqueles grandes eventos de bufês. E felizmente têm virado moda. Tanto que às vezes há vários piqueniques acontecendo ao mesmo tempo, precisando até de plaquinhas de indicação.
Na cidade de São Paulo, a prática de se fazer piqueniques já foi mais comum. Uma das melhores lembranças da minha infância são os domingos em que carregávamos polenta, frango com farofa, frutas, sucos e outros pratos caseiros para comermos ao ar livre no Horto Florestal ou no Pico do Jaraguá. E encontrávamos mesas e gramados ocupados. Tudo parecia meio mágico, a família ficava mais unida, as crianças corriam soltas e podiam comer de um jeito diferente - ajoelhadas em vez de sentadas, por exemplo. E tinha também as viagens longas de carro, quando parávamos sob alguma árvore ao longo do trajeto para fazer um lanche. Era mais rápido, mas ainda assim um piquenique.
Mas minha inveja dos europeus está com dias contados, afinal brasileiros estão voltando a botar as caras para fora.
Por algum tempo muita gente achou mais seguro ficar atrás dos muros e grades ou dentro dos carros, deixando espaços públicos abandonados. Agora a gente sabe que a cidade pode ser menos violenta e mais protegida, além de viva e amigável, quando há presença humana nas ruas, praças e parques. E ganhamos em qualidade de vida, nos laços de amizade, no bem-estar, afinal não nascemos para a clausura. Quem sabe, um dia, até deixemos um pouco de lado a televisão e o computador e voltemos as cadeiras para as calçadas.
E, assim, vimos surgir grupos de piquiniqueiros organizados como o Movimento Boa Praça, em São Paulo ou o Convivium do Slow Food de Belo Horizonte que recebe o simpático nome de Convivium Pique Nique - entre várias ações que desenvolvem para estimular a ocupação dos espaços públicos, os piqueniques são o ponto alto, claro.
Tem também o nosso grupo, aqui no bairro da Lapa, em São Paulo. Tudo começou numa segunda-feira ensolarada de novembro do ano passado, de maneira improvisada. Falei com uma amiga, a Veronika Paulics, já no fim do dia e contei a ela que tinha acabado de assar um pão. A tarde estava linda, eu havia trabalhado muito e deu vontade de ver um pouco o céu, tomar uma fresca e conversar. No meio do caminho a pé, entre a casa dela e a minha, há uma praça cheia de árvores frutíferas, com brinquedos de madeira e muito gramado, mas ninguém costuma fazer piquenique ali, menos ainda em dia de semana. Foi nesta praça, Senador José Roberto, que marcamos de nos encontrar. Eu, com o pão quente e o vinho. Ela, com suco, manteiga e as crianças, que tinham acabado de sair da escola e adoraram o inusitado.
Gostamos tanto da experiência que decidimos não ficar mais sem piqueniques. Marcamos, então, de nos encontrarmos ali novamente todo primeiro domingo do mês. Ou segundo, terceiro, dependendo do tempo, dos feriados ou da conveniência. E o grupo foi crescendo, especialmente com os amigos de bairro, sempre na mesma praça - daí o nome "piquenique perto de casa", que demos ao nosso blog. Muitos de nós vamos a pé.
Com isto, passamos a desejar muito que todos tivessem esta mesma experiência e que piqueniques virassem hábito para encontros entre amigos, vizinhos e famílias, reunião da turma de faculdade ou qualquer tipo comemoração pequena. Gostaríamos que todos tivessem por perto uma área verde para estender a toalha, ficar à toa. Que fossem piqueniques descomplicados e sem precisar rodar quilômetros para encontrar um parque apropriado. Todos merecem uma área verde por perto, para onde possam ir a pé. E muitos tem, é só olhar ao redor.
Nossos piqueniques não são grandes eventos, mas simples encontros de amigos que moram perto para comer, beber, conversar, rir e brincar. Mas, meio sem querer, como transferimos para a praça nossas convicções e hábitos de casa, acabamos tornando este momento um laboratório de ideias de piquenique sustentável. E isto, sem que nenhuma regra fosse imposta até hoje. Não me lembro, por exemplo, de ter visto refrigerantes nos nossos encontros, embora todos sejam livres para levar o que quiser. Nem água industrializada. Sucos naturais e águas, costumam aparecer em garrafas de vidro que um dia já foram garrafas de suco de uva ou de azeite. O mesmo se dá em relação à comida. Quase todos os participantes preferem fazer algum prato em casa para compartilhar.
Além da comida, levamos um kit individual e não descartável composto de copo, caneca, prato e talheres. Sanduíches geralmente são preparados em casa e chegam embalados em saquinhos de papel . Embalagem de isopor, nunca aparece. As comidas costumam chegar em potes de vidro ou de plástico, destes com tampa que todos temos em casa. Chegando lá, é tirar da vasilha, passar para um prato ou uma cesta e ajeitar melhor para ficar ainda mais bonito.
E, falando em bonito, um dia, quando eu disse que não eram imprescindíveis a toalha xadrez e a cesta charmosa de vime, alguém me perguntou se nós, então, não valorizávamos a beleza à mesa (ou ao chão). Respondo que sim. É claro que gostamos de uma cena bonita, afinal copinhos descartáveis de plástico voando por aí, saquinhos de supermercado balançando sobre a toalha, garrafas Pet, copinhos de água industrializada, sachês ou embalagens de isopor, além de condenáveis do ponto de vista ecológico, enfeiam qualquer ambiente. Já uma cesta de frutas, pães recém-assados, garrafas de vidro com sucos, bolos caseiros e outros quitutes feitos em casa com capricho certamente têm mais charme.
Agora, deixar de fazer piquenique porque não tem uma toalha xadrez e outros apetrechos é bobagem. É só levar o que já tem em casa. Uma pessoa, outro dia, me contou que não tinha toalha porque sequer tinha mesa em sua casa, mas aderiu à moda do piquenique e levou para o parque perto de sua casa um lençol, a comida que preparou com cuidado e toda a criançada da vizinhança. Acho que a ideia é esta: que todos possam ter espaços verdes perto de suas casas para que sejam usados coletivamente como um grande quintal. O importante é compartilhar comidas, brincadeiras, a grama, o sol, a toalha, o tapete ou lençol. E que as comidas possam ir em sacolas de pano, caixas ou até carrinho de feira. Não esquecendo que ao final do piquenique a praça tem que estar limpa novamente, cada um levando seus lixos embora, assim como recordações da comida do amigo para comer mais tarde e boas lembranças do momento compartilhado.
No nosso caso, as fotos, as impressões, e especialmente as receitas dos pratos levados, aparecem nos dias seguintes no blog www.piqueniquepertodecasa.blogspot.com. Assim, podemos repetir os pratos dos outros e ainda dividi-los com os leitores que quiserem se aventurar em seus próprios piqueniques.
Cenas do Piquenique Perto de Casa e algumas dicas
Um kit individual recomendável: guardanapo, copo, taça, xícara, um prato ou tigelinha e talheres
Melhor do que deixar as frutas em sacos plásticos de supermercados é ajeitá-las sobre cestinhas de palha - leves e fáceis de levar - ou improvisadas com pano.
Garrafas de vidro podem ser guardadas para levar suco de frutas bem gelado e água com aroma (aqui, hortelã, mas podia ser uma casca de laranja ou limão)
Leve o que tiver em casa, nem que seja pão com manteiga e ovo cozido. Para beber, café, chá, suco, vinho. Só isto, compartilhado com amigos e crianças ao ar livre, já vira um banquete.
Não esqueça de levar distrações para as crianças: lapis de cor e papel, peteca, bola, corda. E um bom livro também resolve
Crianças colhendo o matinho "pincel-de-estudante" para brincar de pintar com pigmentos naturais
Texto de Neide Rigo, nutricionista e autora do blog Come-se, é membro do Convívio Slow Food São Paulo e faz parte da Comissão Nacional da Arca do Gosto